Surrealismo

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Vi no outro dia que estava a estudar Publicidade que o tipo Freud realçou a influência do nosso subconsciente, mesmo sem sabermos, e que esta influência se prendia com necessidades do foro sexual.. Uma cena assim. Pá, tá bem. Mas isso faz de todos os surrealistas, como o Salvador Dalí, uns ENORMES TARADOS?

Olá outra vez.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Depois desta abstinências de tipo duas semanas sem escrever, eis que volto. Mas também me vou já embora, digo-vos já.

Uma Cor Só Minha (Um Conto)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

O Marinho vive na Amadora, mais nomeadamente no Casal de São Brás. É a segunda freguesia mais populosa e movimentada do concelho todo. É jovem, e costuma andar pela rua com os amigos, a fazerem barulho com as violas e a apanhar bebedeiras. Mas isto só à noite. De dia, o Marinho apanha o autocarro 137, que passa pelas nove e pouco na paragem à frente da papelaria Librás, até à estação de comboios, põe-se no comboio e vai para Massamá. Lá, trabalha na Óptica Pérola, no Shopping. A caminhada da estação em obras até à óptica é curta, três minutos muito lentos. Estes são os piores três minutos da vida do Marinho e repetem-se todos os dias, excepto aos fins-de-semana e feriados. Não que a óptica esteja fechada ao fim de semana. Está aberta, mas a senhora Dulia e o filho Ricardo tomam conta do negócio e deixam o rapaz preocupar-se com outras coisas. Afinal fim-de-semana é fim-de-semana. Voltando aos três minutos, é naquele segmento repetido de tempo e espaço, dia-a-dia, que a visão do Marinho fica turva e de uma cor. Uma certa cor que só ele viu. Esta cor, que acredita nova, viu-a ele de relance uma vez que se passeava pelo parque de campismo de Almornos, numa manhã húmida de Outuno, aquelas em que nem está a chover nem a bater vento nenhum. As mais frias. Viu essa cor ao virar a cabeça para pegar no telemóvel que lhe parecia ter vibrado, e no centro exacto do seu campo de visão. Mas viu-a só uma vez. Quando voltou a olhar, não estava lá nada, nem um ponto, nem uma linha, nem uma mancha, nem um borrão, nem vestígio nenhum daquela cor misteriosa. E não tinha vibrado, o telemóvel.
Já a tentou descrever aos amigos, mais que muitas vezes, aos do Casal e aos de Massamá, mas nenhum consegue perceber como é a cor que ele viu. Ele próprio não a consegue descrever, porque não é fria, nem quente, não a consegue associar directamente ao Outono e ás condições climatéricas do momento, mas também não consegue prever como ficaria noutros contextos. Não tem nenhum ditongo que o lembre da cor, nenhuma combinação de letras, de palavras, nada lhe vem à cabeça quando pensa na cor. Vê-a apenas como um cortinado de seda fininho, que tinge a sua visão, todas as manhãs, sempre no mesmo sítio. Trabalhando numa óptica fez obviamente um exame à vista, que não revelou nada de anormal. Quando tem tempo livre dá uma olhadela nos livros, nos mapas de cores, nos espectros, mas não descobre nada que lhe seja útil. A ideia daquela cor obviamente que o assusta, mas afogado forçosamente no quotidiano, nunca se deu a trabalhos muito maiores de pesquisa. Não é algo que lhe doa ou que lhe faça comihão, e no fundo nem é assim tão chato.


Outro dia no caminho para a óptica, lá voltou a cor a gritar toda a sua força e a ao mesmo tempo a murmurar a sua indiferença. A cor desapareceu à medida que o Marinho subia as escadas do shopping, vestia a bata, cumprimentava a senhora Dulia, e se preparava para mais um dia normalíssimo de trabalho. Na hora de almoço desse dia, o Ricardo, filho da dona Dulia, convida-o para ir assistir ao ensaio da sua banda, os Jack & Dante. Era terça-feira, e o ensaio era ás oito da noite. Combinaram jantar juntos saíndo da óptica, ás 19 horas, numa churrasqueira a caminho da cave de ensaios. Dito e feito. Quando lá chegaram, o Ricardo apresentou-lhe os outros membros, o baterista Jack e o guitarrista Gordo. O Ricardo era agora o Dante. O Marinho não percebeu de imediato o porquê de toda a gente ali no meio se tratar por alcunhas. Devia ser coisa de estrela rock.
O ensaio começou a desenrolar-se, com feedbacks estridentes e gritos e no meio daquela onda sonora de rock alternativo, como um flash, o Marinho viu a cor, tão óbvia e evidente estampada no bombo da bateria. Fez logo um chinfrim maior que toda a música ali dentro, parou o ensaio e exclamou:
- Ali está a cor! A cor que eu vi!
Incrédulo com todo aquele alarido, o Ricardo apressou-se a perguntar:
- Onde? Mas viste onde?
- No bombo da bateria, meu! – respondeu o Marinho. Mas assim que abriu a boca a cor desapareceu do seu campo visual. Imediatamente, sem mais uma vez deixar rasto ou vestígio. Quando os outros três olharam para o bombo, nada mais viram que o bombo, e a sua pele transparente. Não viram cor nenhuma. Não viram essa cor que era tão opaca para ele mas tão transaparente aos seus olhos.
Como o Jack e o Gordo ainda não estavam bem a par da situação, o Marinho fê-los sentar todos e mais uma vez explicou a sua frágil situação:
-Pessoal, é assim... Eu não sou maluco, de todo. ‘Tava no outro dia a andar pelo parque de campismo que há ali em Almornos e do nada vi uma cor que... Não vos sei explicar. É uma cor que pelos vistos só eu vi, e voltei a ver agora, mas que no mesmo momento que lá estava deixou de estar. Esta cor assombra-me o olhar todas as manhãs que vou trabalhar na óptica do Ricardo, no caminho do comboio até lá, mas depois não a vejo mais. Ou melhor... Agora vi-a!
- Então, mas essa cor é como? Tipo verde, azul, amarelo, uma mistura? – perguntou o Gordo que tocava uns padrões de blues na sua Fender Stratocaster Squier.
- Pá, não te sei explicar...
- ‘Tou a ver... – ironizou Gordo.
O Marinho estava obviamente perturbado. Como é que se explica esta situação a alguém? Como é que se apresentam coerentemente e de modo credível argumentos que susentem um facto a que as pessoas são tão pouco receptivas? E pior: então ele, convidado ali no ensaio, cortou o fio à meada da malha que eles tavam a tocar. Sempre tinha tido aquela ideia de que o pessoal que toca em bandas era todo muito convencido. Mas por outro lado, a partilha de informação é a forma mais fácil de chegar a alguma solução. Alguém podia ter visto a cor em algum lado antes, por alguma razão. Chegaram à conclusão que ninguém tinha visto a cor antes, mas o Gordo mostrou-se bastante intressado nesta questão.
No final do ensaio, ia o Gordo arrumar a sua guitarra na respectiva bolsa – com estampas de bandas punks e reclamações anti-fascistas – que estava ao lado do Marinho e mostrou-lhe os cromos novos que tinha colado na parte de trás da guitarra. O Marinho passeou os olhos pelos cromos e, qual espanto, viu um ponto brilhante.
- Puto, está ali, está ali a cor, a brilhar!
- Onde, onde? – perguntou o Gordo.
- Na cara daquele homem, ali no olho, não vês?
- No Iggy Pop? Népia, não vejo nada.
- É quem?
- O Iggy Pop. Esta é a capa do terceiro disco dele. Chama-se Raw Power e foi produzido pelo Bowie.
Foi tudo o que precisou de saber. Chegando a casa leu tudo o que a internet dizia do disco, até do Iggy Pop, ouviu o disco, olhou para a capa vezes sem conta à procura de uma explicação. Mas o pior, foi que desta vez a cor não apareceu.

Na quinta-feira seguinte voltou ao ensaio deles, desta vez sem nenhum convite formal do Ricardo. Mas o pessoal é assim, quem quiser aparecer é sempre bem vindo. O Gordo voltou mais uma fez a tirar a guitarra da bolsa e o Marinho olhou imediatamente para a parte de trás. Viu o primeiro cromo, dos Beatles, a seguir outro cromo, a capa do Rocket To Russia, o disco dos Ramones, e logo de seguida lá estava o olho do Iggy Pop, naquele cromo de vinil, que lá continuava com o pontinho daquela cor estranha, ao mesmo tempo fascinante e repulsiva. O bombo, por sua vez, durante todo o ensaio, não se camaleou para a cor que o Marinho tanto ansiava ver, mas que só queria evitar. Esta cor continuava, na sua cabeça isenta de definição e de explicação. Foi no final de um cover dos Clash que o Gordo se sentou à sua beira e começou o diálogo:
- Olha meu, fiquei a pensar na tua cena da cor. E se um gajo não se mexer para descobrir isso, nunca vais sair desse impasse. Pesquisei na net, vi uns sites, estudei umas coisas, mas não vi nada de conclusivo.
- Pá, agradeço. – Respondeu o Marinho, com as suas dúvidas sobre o intresse de alguém no seu problema – Acho mesmo que vou aplicar-me a fundo e descobrir o que é isto. E como posso reproduzir esta cor!
Neste momento, juntou-se o Ricardo à conversa:
- Isso é que é falar! Também tive a ver umas coisas e aprendi uma data de cenas. Mais numa noite que num ano a trabalhar numa óptica. É assim: existem três cores primárias, que misturadas originam as cores secundárias. E as cores secundárias misturadas com as primárias originam as cores terciárias. Tinhas-me dito, Marinho, que não conseguias decompor essa cor em nenhumas outras, que não vias ligação absolutamente nenhuma dessa cor com uma outra, certo?
- Sim, sim.
- Então, se não consegues dividir essa cor, decalcá-la noutras, é porque só pode ser outra cor primária!
- Sim, mas como é que ele a vê e mais ninguém vê? – foi deste modo que o Jack cortou o raciocínio brilhante do Ricardo. – Deve ser alguma coisa a nível dos olhos. Vocês é que percebem disso!
- Pá, aparece-me sempre no meio do meu campo de visão. Por isso deve ter alguma coisa a ver com a mobilidade do meu olho, talvez. O olho tem três pares de músculos, tensos e elásticos: os rectos superiores e inferiores, médios e laterais e os oblíquos. Se calhar passa-se alguma coisa... – e aqui, o Marinho foi interrompido pelo Ricardo:
- Mas ainda no outro dia fizeste um exame. Não foi nada muito profundo, mas um problema assim tinha sido detectado.
- Então e o bombo e o Iggy Pop? – o que intressava ao Gordo, acima de tudo, era o rock n’ roll.
- Mostra-lho lá. – Pediu o Jack.
Mal o Gordo virou a guitarra, os olhos do Marinho foram automaticamente atraídos para o olho direito do Iggy Pop. Mas desta vez, não estava lá nada!
- Pá pessoal, não tou a ver nada!
- Desvia isso para o centro do teu campo de visão! – gritou o Ricardo. Isto parecia preocupá-lo tanto quanto ao Marinho.
- Não dá mano, não dá!
Com este episódio ficaram todos ainda mais confusos. Mas concordaram que não iam descansar dali para a frente até encontrarem uma expicação, lógica ou não, para aquilo.
Na Sexta – feira, o dia imediatamente a seguir, a senhora Dulia deu a tarde aos dois rapazes. Nenhum sabia bem porquê, mas veio mesmo a calhar, e aproveitaram para reflectirem juntos sobre a questão da cor que um nunca tinha sequer visto.
Sentaram-se à mesa de um café lá no shopping e reflectiram:
- Vamos pegar no que temos e partir daí. – sugeriu o Ricardo.
- ‘Bora ‘bora.
- Então, a primeira vez que viste a cor foi há quê?
- Foi o há dois meses, para aí. Eu tinha-me levantado cedo, lá para as 9, estava muito frio. E vi-a enquanto passeava, por volta do meio-dia.
- Sim, e mais?
- Pá, vejo-a todos os dias, aqueles três minutos de manhã. E depois foi no bombo e no Iggy Pop.
- Em que música é que viste a cor no bombo?
- Ah, eu não sei pá. Eu sei lá o nome das vossas músicas. Sei que era mais pesada e a bateria mais forte...
- Sim sim, já sei a qual te referes... Antes do refrão tem uma parte em que o Jack bate três vezes no bombo.
E ali, naquele momento da conversa, o Marinho percebeu logo. O Ricardo só percebeu um bocado mais tarde, mas o Marinho encontrou ali a solução:
- Três minutos, três batidas no bombo... O próprio disco, o Raw Power, é o terceiro do Iggy Pop.
- Eish! Tens razão! – agora sim, o Ricardo lá percebeu que tinha a ver com o número três. – Mas então porque é que da outra vez não te apareceu na cara do Iggy Pop?
- Eu, inconscientemente, contava os cromos que ele tem na guitarra. E aquele era sempre o teceiro! Quando foi o primeiro, obviamente que não apareceu nada. – e o Marinho não parou:
- Das nove ao meio-dia são três horas! –o entusiasmo na cara do Marinho pareceu esmorecer de seguida - Mas porquê o número três?
- Então, existem três cores primárias. E três pares de músculos no olho, disseste tu. Se calhar é algum sinal para romperes algum código ou assim uma coisa divina.
- Achas? – isso já parecia exagerado para o Marinho, mas quem sabe...
- É, se calhar não. Deixa lá.
Apressaram-se para casa do Ricardo, onde imprimiram numa folha de papel três fotos exactamente iguais do Ricardo. E, na terceira a que o Marinho deitou os olhos, o chapéu do Ricardo estava daquela cor, agora tão óbvia.
- Então então, ‘tás a ver a cor? – já dizia o Ricardo antes de a folha imprimir.
- ‘Tou ‘tou!
A boa disposição e animação eram gerais. Ligou-se ao Gordo, ligou-se ao Jack, a informá-los que já tinham descoberto o porquê daquela cor. Mas agora havia outro problema: Como reproduzir essa cor? E como reproduzi-la de modo a que as outras pessoas a vejam?
- Vou fazer três borrões de tinta com estes guaches. O terceiro há-de sair com a minha cor. – Tentou o Marinho.
- Mas cada guache tem a sua cor própria. E isso já é muito dificil influenciares, a meu ver...
- O melhor é sempre tentar! – O Marinho estava determinadíssimo!
Borrou o papel com o pincel molhado com tinta magenta uma vez e magenta ficou a nódoa. Depois repetiu o processo com cião, e o papel ganhou aquela cor. Repetiu ainda mais uma vez o processo com o amarelo. E amarelo ficou. Ao olhar para o papel com atenção, pequenos pigmentos da sua cor pareceram começar a brotar das outras cores, como um vulcão em erupção ou um vírus a devorar células, e toda a tinta no papel gahou, para ele, a sua cor.
- Vês? Vês? – perguntou ao Ricardo.
- Não pá. Isso para mim é azul, amarelo e vermelho.
E aí perceberam que aquela cor é só dele.

A cor não ganhou nome, nem significado, mas o Marinho conseguia fazê-la aparecer no seu campo de visão quando quisesse, e ás vezes gostava de ver a vida numa outra tonalidade. Não mais bonita, não mais feia, não mais brilhante ou áspera, opaca ou transparente, escura ou clara, quente ou fria. Apenas mais pessoal. O controlo da cor fez com que ela deixasse de ser uma tormenta e passasse a ser uma espécie de diversão. E, acima de tudo, naquela sexta-feira à tarde, na viagem do comboio e depois na camioneta 26 (chegou antes da 137, e uma pessoa, como é sabido, quer é chegar a casa), ele só pensava como a sua determinação e o seu empenho tinham mudado a sua vida tão drasticamente. À noite, foi para a rua com o pessoal, tocar viola e apanhar uma bebdeira. Mas sempre com a cor debaixo de olho. Essa nunca mais lhe fugiu.

2010

sábado, 2 de janeiro de 2010

2010 começou ás 8h da manhã de dia 31. E ainda não saí de 2009.
 
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